Tudo acontece antes, durante e depois.

Tudo acontece antes, durante e depois.

Era manhãzinha, tão manhãzinha que até o sol chegava vagaroso, se espreguiçando, sonolento. Cedo o bastante para a maioria ainda estar na cama, torcendo pra poder ficar ali só mais um pouquinho. No entanto, às cinco e meia da manhã, quem estivesse no autódromo ouviria o ronco solitário de um motor de kart, guiado quase às cegas por um menino. O nome dele? Ayrton Senna. Sua carreira foi a confirmação, temporada após temporada, que apenas no dicionário o sucesso vem antes do trabalho. Ayrton não ignorava as mudanças que aconteciam ao seu redor. Ele sabia tudo sobre as tecnologias que foram introduzidas, estudou o modo que Schumacher pilotava e percebeu a existência de interesses pouco esportivos na F1. Ou seja: mesmo muito talentoso, o piloto se mantinha atualizado, estava atento, conhecia seus concorrentes e lançava um olhar global sobre os movimentos à sua volta. Isso é praticar o processo de mudança, o reconhecendo como essencial para cada vitória e fundamental para o campeonato todo. É um modo de pensar e agir que ecoa fora das pistas. Pensemos no mercado como uma competição diária e entenderemos que um campeão surge antes, nos treinos. Se confirma durante, quando um número enorme de gente e variáveis entram em ação. E continua depois, quando todo mundo vai embora e o champanhe acaba.
Viaje comigo no tempo. Estamos em junho de 2002 e o Brasil comemora mais um título, liderado por Scolari, o estrategista. Ronaldo, depois de 2 cirurgias graves nos joelhos, faz os gols da vitória brasileira. Ali, um pouco antes talvez, mas ali com certeza, o Brasil começava a sofrer a goleada famosa, os 7 a 1 inesquecíveis. Porque, se de um lado os perdedores permaneceram determinados no processo de renovação que se propuseram com determinação germânica, os vencedores flertaram perigosamente com o pensamento mágico, a ideia que vencemos porque sim, porque somos abençoados por Deus e bonitos por natureza. A crença fatal que não precisamos de nada, nem mudança nem processos a nos inibir a genialidade espontânea. Acontece que o processo é uma união de talentos, estratégias, treinos e repetição, tudo isso aliado à disposição de levantar mais cedo e começar outra vez. A Alemanha pensou assim e reviu como fazia as coisas desde onde as coisas começavam. Alterou a forma de escolher jogadores, de preparar treinadores, de jogar bola. Quando o Brasil percebeu que eles não eram mais eles, já estava 5 a 0. Processo de mudança é usar a inteligência para refinar o que fazemos de melhor. É transformar o conhecimento alheio em uma força extra para o talento já existente. É ter disciplina para prosseguir com o projeto, mesmo se perdermos aqui e ali. No fim, venceu a criatividade, a ginga, o drible do grupo que agiu como time. Não é quase incrível que estes adjetivos tão verde-amarelos sejam quase uma exclusividade alemã agora? Ela soube se rever, e se revendo, se reinventou. É uma regra que vale para relacionamentos, carreiras, empresas, governos e para trânsito engarrafado. Quando você abre mão da mudança como processo pessoal ou corporativo, fica à mercê dos outros. Não é fácil, claro. Mas é bem melhor do que perder de 7 a 1. O solo de guitarra estupendo, o projeto empresarial incrível, a fita de inauguração sendo descerrada, o podium, a promoção, o grito de campeão, nada chega sem os momentos eternos que os processos de mudança exigem. É anônimo, cansativo e que vai tirar você mais cedo da cama. Não um dia, mas todos. Não uma vez ou outra, mas toda hora. Quem pretende sair de qualquer desafio de mãos dadas com a vitória, precisa fazer um plano, implementá-lo, corrigi-lo, melhorá-lo, torná-lo seu e, ao mesmo tempo, fazer dele um projeto do grupo. Se exige esforço? Minha nossa, pode apostar que sim. Mas você deve lembrar como era gostoso ouvir o grito “Ayrton Senna, do Brasil”, seguido da musiquinha.

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